O custo Brasil

Hoje eu queria escrever uma crônica bem levinha, que deixasse todo mundo de bom humor, mas está difícil. Passei as últimas horas às voltas com o Imposto de Renda, e tive o desgosto de constatar que um terço do que ganho vai para o governo. Como todo mundo, eu também já sabia disso, mas uma coisa é encontrar descontos mensais no contracheque, e outra, bem diferente, é ver ali, na tela, o total que mando para Brasília. Claro que aí não estão incluídos outros impostos, como o ISS ou o famigerado ICMS, que levam boa parte do que gasto. A sorte é que não sou boa de matemática e não sei calcular quanto isso dá por ano, ou corria o risco de ficar seriamente deprimida ao descobrir que, na minha conta, entra menos da metade do que recebo.  

O que me consola é saber que este dinheiro todo será empregado de forma séria e judiciosa, garantindo aos brasileiros bons serviços, boa educação e um sistema de saúde próximo da perfeição, conforme constatou o ex-presidente Lula (antes de ir se tratar num hospital particular, mas isso são outros quinhentos). Fico reconfortada em saber que estou contribuindo para que se paguem salários de R$ 15 mil para os cidadãos que servem cafezinho no Congresso, o que é sinal de que somos um país rico e poderoso: assim mostramos à península escandinava do que somos capazes. Toma, Noruega!

Também me aquece a alma pensar na vida dos nossos parlamentares, que tanto se esforçam para que o Brasil se transforme numa Democracia Bolivariana. Quando eu morava em Brasília, me explicaram que é muito importante que os homens públicos tenham excelentes salários para que não caiam na tentação de se corromperem. Foi bom ter aprendido isso, caso contrário eu poderia fazer mau juízo deles.

Já pagar a aposentadoria da Roseana Sarney não chega a ser uma alegria, mas reconheço que ela fez por merecer. Afinal, trabalhou seis anos inteiros no Congresso, naquele ambiente que é, notoriamente,  o lugar mais podre do país.

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Uma vez fui assaltada a mão armada. Estava num taxi com a Mamãe e a Laura, e caímos num arrastão. Um marginal tão marginal que poderia interpretar marginais no cinema levou as nossas bolsas, enquanto seus comparsas limpavam os cidadãos e os carros vizinhos. A sensação de impotência foi horrível: o que se pode fazer diante de uma arma?

Pois apesar de estar em casa, em suposta segurança, a sensação que tive ao preencher a declaração de imposto de renda foi pior. O assalto é um ato completo em si mesmo. Ele não depende de nós e, com alguma sorte, não se repete. Não vemos o destino do nosso dinheiro e, com o tempo,  esquecemos o que nos levaram. Preencher a declaração de imposto de renda, porém, é uma violência que praticamos contra nós mesmos, como se fossemos simultaneamente assaltante e assaltado: apontamos a arma para as nossas próprias cabeças indignadas e fazemos a limpa. Não temos outra opção. Temos que juntar uma papelada seiscentista e perder um tempo precioso, informando ao governo quanto ele pode levar: “Olhaí, seu ladrão, nessa bolsa tem duzentas pratas, ticket de refeição, um talão de cheques, dois cartões de crédito, óculos Rayban…” Com a agravante de que, se não praticarmos o assalto muito bem assaltado, corremos risco de levar multa e sermos ainda mais depenados.

A violência não acaba aí. Ao longo do ano, somos constantemente provocados pelas autoridades federais, estaduais e municipais, que tratam o nosso dinheiro como papel higiênico usado. É superfaturamento de obra, ministério inútil, hotel de luxo em Roma, merenda escolar que vai para o lixo, aparelho hospitalar que apodrece sem sair da embalagem, auxílio moradia com dez anos de retroatividade para juízes sem teto, demolição de equipamentos esportivos recém-construídos — a lista não acaba nunca e desafia a imaginação mais pervertida.

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Antes que alguém me acuse de ser uma burguesa elitista que só pensa nos próprios caraminguás, esclareço (é preciso?) que não sou contra o imposto de renda em si, assim como não sou contra o condomínio ou contra as mensalidades do clube. Quem vive em sociedade deve participar do rachuncho.

Apenas me sinto otária — muito otária! — em pagar impostos suecos por serviços dignos do Afeganistão.

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Nosso alcaide teve uma ideia de gênio: juntar a OSB com a Orquestra da Petrobrás para formar uma única grande orquestra, bem representativa do Rio de Janeiro. Tenho uma ideia melhor: por que não juntar todos os times de futebol da cidade para fazer um único timão bem grandão e verdadeiramente representativo do Rio? Seria muito mais econômico e teria uma torcida muito maior.

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Pois é. Ainda por cima, somos obrigados a ouvir uma besteira dessas em plena entrega do imposto de renda.

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Finalmente: vocês sabiam que, em São Paulo, é proibido entrar com livro nos estádios de futebol?   

(O Globo, Segundo Caderno, 2.5.2013)

31 respostas em “O custo Brasil

  1. Além de tudo que foi dito, tenho anda uma outra queixa. Sou extremamente míope e astigmática. Tenho ceratocone, portanto nunca pude operar-me. Sou praticamente cega sem lentes de contato ou óculos. E ano após ano, preciso trocar de óculos porque mudou o grau, o ângulo etc. Como uso óculos desde os 7 anos de idade, já comprei por minha conta uns 40 óculos ou lentes de contato. Sem eles não trabalho, não ando livremente, não faço nada. No entanto, nunca pude descontar esta despesa na declaração do IR. Considero um absurdo.

  2. IMPRESSIONANTE COMO ESTA PUBLICAÇÃO DA CÓRAI COINCIDIU COM MEUS SENTIMENTOS DURANTE O PERÍODO EM QUE ESTAVA PREPARANDO AS DECLARAÇÕES DOS MEUS FAMILIARES, INCLUSIVE DE MEU FALECIDO SOGRO. NA MEDIDA EM AVANÇAVA NOS TRABALHOS SENTIA-ME SENDO ASSALTADO E SEM QUALQUER OPORTUNIDADE DE REAÇÃO. PARABÉNS CÓRAI,

  3. Ando muito triste com os brasileiros, Nosso país é lindo e a terra não tem culpa do povinho que nele habita. É difícil vc conscientizar pessoas por ex: que vivem do bolsa família onde vivem como querem sem nenhuma fiscalização desses valores recebidos, em que crianças não vão à escola justamente pela falta dessa fiscalização, que fazem barganha em época de política e por aí vai… Será que algum dia isso acabará? Faço a minha parte junto às classes C e D, levando a eles toda a verdade dessa política imunda em que nós vivemos. Não considero minha luta infrutífera, pois se 1 em cem pessoas que eu possa de alguma forma faze-lo compreender os fatos, já fico feliz. Acho que devemos trabalhar dessa forma e claro, nunca nos calarmos diante das bárbaries desses políticos que não mereçem de forma alguma nossos votos. ABAIXO O PT, PMDB E OUTROS VÁRIOS PSSSSSSSSSSS.

  4. Cora, parabéns por mais esse excelente artigo !! Você conseguiu sintetizar exatamente aquilo que sinto ao fazer minha declaração do IR. É revoltante trabalhar anos e anos e ver seu salário ou provento de aposentadoria ser literalmente “garfado” a cada mês, já que um montante significativo nos é compulsoriamente subtráido no ato do pagamento. Além de sofrer com essas “mordidas” mensais e não poder reclamar nada, na hora de declarar você verifica que ainda terá de pagar mais outro tanto ?!?!? Ao contrário da campanha intensa feita para que o brasileiro seja um “empreendedor”, mantenha seu próprio negócio e produza empregos (como se isso fosse facilmente possível com a carga tributária inimaginável que temos em nosso país), o roubo explícito exercido contra nós pelo IR incentiva o cidadão a trabalhar do modo mais informal possível e o faz desistir de trabalhar mais, visto que você é penalizado se possui mais do que uma fonte pagadora.

  5. Fico aflita pensando em que pais os meus netos viverão! O brasileiro consciente e crítico já está sufocado, angustiado , pois não vê luz no fim do tunel! Não temos líderes , o povo não se manifesta, está satisfeito com as benesses do governo, com o futebol, o carnaval, a TV medíocre! Até quando???????

  6. Aqui não é um blog político, mas aproveito a discussão para fazer algumas colocações sobre os comentários feitos.

    Parte de nossos políticos agem como membros de uma quadrilha. E fazem o que fazem pela certeza da impunidade: as instituições estão aparelhadas (fazem parte do esquema) e a população não se manifesta.

    Brasília foi, sim, um grande erro: os políticos ficaram inatingíveis. A única alternativa para repará-lo é a população se comunicar, articular-se e se mobilizar para pressionar os governantes. Precisamos ocupar as ruas com nossa indignação e arregimentar mais pessoas dispostas a mudar as coisas.

    Podemos deixar de ver noticiários (todos afinados com o poder central e mostrando apenas o mínimo) mas não podemos deixar de nos informar. A TV e a imprensa escrita são, em geral, omissas em divulgar o que acontece na política. A situação é muito pior do que parece! A única alternativa de manter-se bem informado são os blogs de oposição (Reinaldo Azevedo e outros da Veja; Coturno Noturno; Aluizio Amorim; Alerta Total; Reaçonaria; etc). Neles pode-se saber a verdade do que está acontecendo.

    Acreditem, por tudo que está sendo articulado na política (e a mídia não divulga) tenha certeza que a situação vai ficar ainda pior! É por isso que eles tanto insistem em silenciar a liberdade de imprensa, sob a desculpa de “democratizar a mídia”. Se quisermos mudar a situação e o mau destino para o qual estamos caminhando célere, temos que nos manter bem informados e ajudar a esclarecer aqueles nossos concidadãos sobre a verdade, até que uma grande massa indignada tome as ruas. Enquanto isso não acontecer, vamos caminhando para ser a próxima Venezuela.

    E, por fim, uma última recomendação: prestem atenção na lisura e confiabilidade de nosso sistema de urnas eletrônicas. Ele é falho, atrasado e nenhum outro país no mundo o utliza (o nosso sistema é mais atrasado que o da Venezuela!). A resistência com que o TSE se recusa a sequer discutir a implantação de mecanismos de conferência dos votos – apesar das denúncias de fraudes – é de despertar grandes suspeitas. (vejam o site http://www.fraudeurnaseletronicas.com.br)

    Temos que nos preocupar com tudo isso e tentar mudar a situação, em um trabalho de formiguinha. Deixar pra lá e enfiar a cabeça na areia só beneficia os pilantras…

    • Esta é a famosa desculpa escandalosa. Veja Buenos Aires com sua Casa Rosada no meio de tudo e trucentos comícos, passeatas e atos de desordem em geral… NADA resultou em alguma coisa.. Ou seja, se Brasilia fosse no Rio de Janeiro, as coisas seriam iguais. Políticos ladrões e sem vergonha há, independentemente da área geográfica…

      • Você está enganado: a pressão da população funciona! Fique certo que os maus políticos têm medo do povo, haja vista que a maioria deles atualmente tem se deslocado pelos céus do Brasil em vôos da FAB: não se arriscam mais a confrontar a população nos aeroportos em vôos de carreira.

        A situação na Argentina só não está pior exatamente porque o povo está indo às ruas para mostrar sua insatisfação. E se a situação por lá ainda não atingiu um ponto de ruptura do atual regime é porque a população que se manifesta ainda não atingiu a “massa crítica”: uma quantidade tamanha que intimida o governo e estimula às instituições republicanas, forças armadas e os despolitizados a se unirem às manifestações e cobrarem mudanças.

        E, fora isso, que outra opção temos? Aceitar como cordeiros?

      • Concordo plenamente. Sempre me irritou esse comentário sobre Brasília que, coitada, não tem nada a ver com a má índole dos políticos brasileiros – boa parte deles passageiros, mas que causam o maior estrago…

  7. Eu era feliz e não sabia. Aí que saudade do meu Brasil de 10 anos atrás.
    Ainda bem que teremos eleição ano que vem e tudo voltará a ser como era antes.
    Pelo fim das cotas, pelo fim do bolsa família, pelo fim da barbárie que esse
    governo do PT produziu. Revisão da Lei ampliando direitos pra empregada doméstica.
    Cada macaco no seu galho e pronto!

    • Desculpe Jane, mas pode esquecer. Se a sociedade esclarecida não se mobilizar o PT conseguirá ficar mais trocentos séculos no governo. E vai ficar muito, mas muito pior. Trabalhe para convencer cada formiguinha de suas relações a não votar mais neste partido ou nos partidos aliados.

  8. Assino embaixo de tudo!
    Aqui em São Paulo, na rua Boa Vista próximo ao Páteo do Colégio, no alto do prédio da Associação Comercial há o painel do Impostômetro, que informa, segundo a segundo, o quanto nós pagamos de imposto até aquele momento. Sempre evito olhar pra não ficar deprimida. Mas, só por curiosidade fui pesquisar em São Google e olhe só o que encotrei:

    http://www.impostometro.com.br/

  9. E ainda acontece mais uma, para juntar com as outras surrealidades: os bandidos do mensalão conseguiram entrar com recurso para adiar ou minimizar suas penas, ou seja, tudo acabará bem para os pobres coitados. Enquanto isso o partido do governo arma-se para se perpetuar no governo por mais 432 anos às custas da ignorância desse povo tão sem educação de base e adepto às superstiçōes alimentadas pelo poder.

  10. Como disse um amigo meu, tributarista, o nome é a coisa mais adequada: Imposto e não proposto. É imposto é acabou. Gostar, gostou, não gostou…. Fica sem gostar, porque é imposto ! Desde 2000 sou PJ e, há algum tempo, estou no Supersimples. Mesmo assim, neste mês lá se vão R$ 12.000,00 !

  11. Muito bem Córa. Sou professora universitária (Enfermeira, UFRJ e UFS), aposentada e estou sendo assaltada, pelo governo, todos os dias. Exerci a minha profissão, 45 anos, com muita dedicação e dignidade mas, qdo recebo meu salário….. qdo lembro das mazelas desses políticos….. enfim, temos que mudar, continuemos lutando.

  12. Bravo Cora ! Como sempre sucinta ! E esse seu olhar que desvenda todos os podres em um só relance é incrível ! E me admira mais ainda o fato de como você não deixa a peteca cair,apesar do luto …

    • A crônica foi escrita logo que entreguei a declaração; não teria conseguido escrever depois que o meu Luquinhas se foi…

  13. Hoje acessei o IRPF e caí na malha fina! “Inconsistência em despesas médicas” É dureza ter sido operada de câncer de mama e ter que justificar o que gastei, apesar da restituição ser de menos de um terço do valor gasto.

  14. Cora, compartilho com vcs. e todos os cidadaos brasileiris com algum senso critico a indignacao de sermos desrespeitados e assaltados oficialmente. Alguem comentou sibre o sute da Receita Federal, investiram muito em pesquisa para aperfeiçoar o que chamam de “Declaração de Renda”.
    Quanto ao alcaide fluminense com seu assessor carioca estao quietos fazendo o pior e quando abrem a latrina debocham de nos que assistimos o descaso com a coisa publica. Bom, ainda alguem conentou que nao assite mais noticiario, lembro que amedrontar os cidadaos com noticias de sangue e passar nivelas de baixo calao e a forma de nos acuar. Falando em descaso, estou passando agora no viaduto do Joa, no retorno do trabalho, como faco todos os dias, e rezo para chegar viva do lado de la.
    Ate quando?
    Republica bolivariana, sindicalista, imoral!!!!

    • Chamar de I. de Renda, o fruto de trabalho assalariado é escárnio total. E o deboche continua:: “A correção de aposentadorias e pensões do INSS maiores do que o salário mínimo (R$ 678) no ano que vem (2014) deve ser de 5,2%.” Humpf!

  15. cora, eu acho que os políticos de uma forma geral deveriam ficar, pelo menos durante o mês de abril, sem fazer besteira. assim, quietinhos, pensando: “eles estão fazendo a declaração do ir, para nos dar o seu (deles) dinheirinho, vamos tentar manter um pouquinho de compostura”. mas não, acho que eles já descobriram que não somos de nada.
    []’s

  16. Você externou o que todos nós, cidadãos de bom-senso, sentimos. Estou parando de ver noticiário. Ou é assassinato, atos de crueldade, vandalismo, falta de cidadania ou é mais um capítulo do grande assalto, como esse último das capas de chuva de 5 milhões, pra uso durante o mês de seca na Copa em Brasília. Acho que Brasília foi um grande erro, criou um feudo afastado de toda a população “civil” , facilitando a roubalheira constante, perniciosa, corrosiva do futuro desse país. O Brasil vai continuar sendo o país do futuro, futuro que nunca chega para os cidadãos que trabalham e contribuem, ao contrário dessa corja política, toda ela com futuro garantido, e muito bem garantido por várias gerações. Nojo, muito nojo e um enorme desânimo.
    Bom mesmo é falar de gatinho 😉

  17. CÓRA! JÁ PENSOU SE OS GOVERNANTES, COLOCASSEM NOS POSTOS CHAVES DO PAÍS, PESSOAS TÃO CAPACITADAS E EQUIPAMENTOS PÚBLICOS TÃO MODERNOS, COMO O UTILIZADO PELA RECEITA FEDERAL¹!”….ESSE PAÍS I LONGE.
    PORÉM ACREDITO QUE ELES NÃO ESTÃO NENHUM POUCO INTERESSADOS NISSO.

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